sábado, 30 de julho de 2011

Shakespeare para o Ator (exercitando meu absurdo)

A – Você viu?

B – Sempre!

A – Mas seria melhor se passasse mais devagar, não vi nada.

B – Também...

A – Também o quê?

B – Está de olhos fechados.

A – Eles estão enxergando mais do que imagina.

B – Eu não imagino.

A – Como?

B – Você sabe que eu não tenho esse dom.

A – ...

B – É bom isso, não é?

A – Ainda não tenho uma opinião.

B – Pena.

A – Você tem?

B – Claro.

A – E qual é?

B – Prefiro guardar pra mim.

A – Não tem imaginação, mas tem opinião.

B – Quem?

A – Você!

B – Eu não; já vou.

A – Voando?

B – Sempre!

A – Você viu?

B – Como? Num espelho?

A – Você voa muito rápido. Não vejo nada.

B – É só abrir os olhos.

A – Romeu.

B – Julieta.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Entre Olhos, Bocas, Cobertores e Andadores

Entramos em mundos, conversamos com personagens, nos emocionamos com pessoas, coletamos histórias de frações inteiras de vida.


Reflexão: MENSAGEM DE UM IDOSO

  • Se meu andar é hesitante e minhas mãos trêmulas, ampare-me...

  • Se minha audição não é boa e tenho de me esforçar para ouvir o que você está dizendo, procure entender-me...

  • Se minha visão é imperfeita e o meu entendimento é escasso, ajude-me com paciência...

  • Se minhas mãos tremem e derrubam comida na mesa ou no chão, por favor não se irrite, tentei fazer o melhor que pude...

  • Se você me encontrar na rua, não faça de conta que não me viu, pare para conversar comigo, sinto-me tão só...

  • Se você na sua sensibilidade me vê triste e só, simplesmente compartilhe um sorriso e seja solidário...

  • Se lhe contei pela terceira vez a mesma “história” num só dia, não me repreenda, simplesmente ouça-me...

  • Se me comporto como criança, cerque-me de carinho...

  • Se estou com medo da morte e tento negá-la, ajude-me na preparação para o adeus...

  • Se estou doente e sou um peso em sua vida, não me abandone, um dia você terá a minha idade...

A única coisa que desejo neste meu final da jornada, é um pouco de respeito e de amor...

Um pouco...

Do muito que te dei um dia!!!

(Autor Desconhecido)


CENA 1: AQUI, NA ESQUINA DO LUGAR ALGUM


Aline Jorge: Nossa, eu estou com um medo enorme!

Felipe Casati: Nem me fala.

(pausa longa)

Felipe Casati: Vamos ver no que vai dar. Vamos nos divertir

Aline Jorge: É, mas ainda estou com medo. Sei lá o que vamos encontrar nesses asilos... lar, é melhor falar lar de idosos.

(Felipe Casati e Aline Jorge riem nervosos)


Caro leitor, antes que prossiga com a leitura, se faz necessária uma explicação: esse é um texto que mostra uma visão particular do autor a respeito de apresentações do espetáculo A Última Contra-Dança em lares de idosos de Uberlândia-MG, nos quais o espetáculo se tornou pretexto para a imersão em outra realidade e troca de vivências.


Aline Jorge: atriz.

Felipe Casati: ator.

Luciene Andrade: diretora.

Felipe Casati: Oi Senhora Daiana! (vamos chamá-la assim) Aqui é muito bonito! Dá uma vontade de ficar.

Daiana: Muito gostoso, não é?

(QUEBRA)

“Minha mãe sofria de Mal de Alzheimer. Era triste e engraçado ao mesmo tempo, já pensou? Uma coisa triste e engraçada ao mesmo tempo? Era assim. Fiz esse lugar pra ela... depois, mais tarde, descobri que fiz esse lugar pra mim. Ela foi sorrindo, me fazendo rir e chorar. Já pensou? Uma coisa te fazer rir e chorar ao mesmo tempo? Foi assim.”

Risos na minha barriga e prazer na minha boca. Foi o que senti. Foi o que pensei ter transmitido aos outros, pois olhos brilhavam pra mim, olhos que falavam: - que bom tê-los aqui! E a casa, cercada de varandas e obras de arte dizia: - Entrem, é bom tê-los aqui!

Daiana (sempre cuidadosa com as palavras): Esses quadros são, na maioria, de uma das nossas que já se foi. Ela até fez uma exposição na prefeitura, mas eles não devolvem as obras pra gente.


Cena 2: DURANTE A MAQUIAGEM


Felipe: Bonito aqui, né?

Aline: É! Uma gracinha. Olha as almofadas.

Felipe: Mas é estranho ver tanta foto, mais da metade já morreu.


(TOCA A CAMPAINHA)

Doriana: (gritando) Enfermeira!

Enfermeira: O que foi Doriana?

Doriana: (de olhos arregalados) A comida!

Enfermeira: A senhora já comeu.

Doriana: Já é?

Enfermeira: Sim.


Aline: Que susto!

Felipe: Que engraçado!

Aline: É.


(TOCA A CAMPAINHA)

Doriana: (gritando) Enfermeira!

Enfermeira: O que foi Doriana?

Doriana: (de olhos arregalados) A comida!

Enfermeira: A senhora já comeu.

Doriana: Já é?

Enfermeira: Sim.


Luciene Andrade: Tá tudo certo gente?

Felipe e Aline: Tá.

Luciene: Bonito aqui, né?

Felipe: Estávamos falando disso.


(TOCA A CAMPAINHA)

Doriana: (gritando) Enfermeira!

Luciene: (assustada) Enfermeira!

Enfermeira: O que foi Doriana?

Doriana: (de olhos arregalados) A comida!

Enfermeira: A senhora já comeu.

Doriana: Já é?

Enfermeira: Sim.


Luciene: Que engraçado! (pausa) Estão prontos?

Felipe e Aline: Sim!

Maria Ângela: (passando batom) Estão prontos?! Se precisarem de uma palhaça EU ESTOU AQUI!(ri)



Começamos. Fizemos tudo o que tínhamos que fazer, dançamos, falamos, cantamos, conversamos, encenamos, brincamos e dançamos mais um pouco. Acabamos. Todos adoraram, sem exceção, era nítido, e isso contando com os idosos que não tinham nenhuma compreensão de texto.

Visitamos quatro lares de idosos de Uberlândia-MG, e todos tinham um reboco de saudade e nas paredes coisas de esquecimento, uns tratavam bem os velhinhos, outros nem tanto, uns corredores frios, outros eram casas quentes; era sempre doloroso, era sempre engraçado, era sempre surpreendente. E me vinha a cabeça “Ja pensou? Uma coisa te fazer rir e chorar ao mesmo tempo?”


Cena 3: NOS DOS AMARRADOS


(Foco em três cadeiras, cada qual com uma idosa, duas delas estão amarradas. São três pequenos monólogos.)


Dalva (uma das amarradas, monólogo 1): Moço! Moço! Moço. Moço, vem cá. (para o ator da peça que estava sendo apresentada) Faz uma oração para as minhas pernas, eu sei que você pode, eu sei que você tem o poder. Elas pararam. Faz uma oração para as minhas pernas, elas pararam de andar. Faz! Faz? Faz. Vem cá, vem. Faz.


Sarah (outra amarrada, essa com o rosto todo machucado, monólogo 2): Me solta. Porque eu estou amarrada? Não preciso disso. Me solta. Eu não estou fazendo nada demais. (solta) Queria dançar. Gosto. Queria dançar. (tenta levantar para dançar com o ator da peça que estava sendo apresentada, mas enfermeiras a colocam de volta na cadeira) Sua filha da puta, desgraçada! Vocês não me conhecem! Vagabunda, vai tomar no seu cu! Vagabundas! (estapeia as enfermeiras) Elas não me conhecem! Eu gosto! Vagabundas! Puta! Filha da Puta! (sai)


Vilma (solta na cadeira, monólogo 3)

Voz em off: O que é isso?

Vilma: Este é o prólogo, vem logo no início do espetáculo, é pra anunciar a apresentação.

Voz em off: O que é isso?

Vilma: Essa é uma dança moderna.

Voz em off: O que é isso?

Vilma: Uma seresta.

Voz em off: O que é isso?

Vilma: Esses são os músicos, aqueles são os atores, esse é um espetáculo e temos que ficar quietos e prestar atenção até o fim, porque eles querem dizer alguma coisa pra gente com essa encenação. Depois, mais tarde, você me pergunta mais tá?


Sensação ruim.

Como era difícil não se emocionar durante o espetáculo com todas aquelas interrupções. As vezes, em meus pensamentos, eu me via rindo de cair no chão, chorando de soluçar como um bebê, estático e sem ar, precisando de um como d'água ou querendo abraçar e ir embora com o vento, que ali, passava rápido e rasteiro. E o certo do espetáculo é que ele nunca foi igual, ou melhor, nunca foi o que nós queríamos e sim o que era da vontade de mentes brincantes dentro de corpos cativantes. O público sempre nos forçava a mudar, a sair do confortável, a quebrar com a cena, a nos tornar, além das personagens, narradores, concelheiros, dançarinos, cantores, mágicos, mas na maioria das vezes nos forçavam a nos transformar em, simplesmente, bons ouvintes, uma boa conversa.


Coro: Aqui todos somos assim, somos todos assim! Quer nos olhar, nos ver? Então fique a vontade para nos respeitar.


Aviso pregado na parede ao lado do mural de fotos de todos os idosos FELIZES que moravam ali:

“Não se irrite. SORRIA

Não critique. AUXILIE

Não grite. CONVERSE

Não acuse. AMPARE”

Psicografia: Francisco Cândido Xavier/ ANDRÉ LUIZ

CORTESIA: Grupo Espírita Simão Pedro - Uberlândia (MG)


CENA 4: O LANCHE


Eles estarão comendo. É o pico de “loucura”, é nesse horário. E agora? Respira. Relaxa. Estão espalhados pelo pátio azulejado. É frio. Todos estão em suas poltronas, em suas cadeiras de rodas, bem agasalhados e cada qual com seu cobertor, o qual delatava a personalidade dos que usavam – sábia, esperta, calma, safado, brincalhão, tímido, abobada, teimosa – tantos.

Era mais um público faminto de carinho e atenção, eram mais olhos vidrados, paralisados ou lacrimejando, era eu posto em mais uma incerteza, e não como aquelas que nos metemos entre as paredes pretas de um teatro, mas no simples sibilar de uma boca toda enrugada e despretensiosa.


Francisca: É você quem vai apresentar?

Felipe: Eu mesmo.

Francisca: Qual seu nome?

Felipe: Felipe, e o seu?

Francisca: Seu nome não é Felipe, é Elvis, ...Elvis Presley. Você dança como ele!

Felipe:...

Felipe: O meu nome é...?

Francisca: Elvis.

Felipe: Elvis.


E foi então que durante toda a execução da peça os atores se chamaram de Elvis e Francisca. E foi então que durante toda a peça ouvia-se os nomes Felipe e Elvis saírem como cuspes da boca da verdadeira Dona Francisca. E foi então que o espetáculo, que não tinha sido executado só por nós, cessou, e mais uma vez aqueles olhos, que mais pareciam bolinhas de gude, umedeceram e clamaram por mais atenção, carinho e movimentação num espaço de vida tão cotidiano. E foi então que fechamos a porta do pátio, a porta de entrada do prédio e a porta do carro.


CENA 5: NOSSA AVÓ


Neste momento as bolinhas de gude, quando não estavam estáticas e olhando para o tão belo nada, estavam vidradas naquele televisor de plasma imenso no meio do pátio. Era dia de jogo. Era dia de torcer. Era hora de remédio. Os artistas, como sempre, não fizeram o planejado. Conversaram.


Aline: E aí, quem joga hoje?

João: - - - - - - - - - - - e - - - - - - - - - - - (não vou mencionar)

Felipe: E quem vai ganhar?

João e Antônio: - - - - - - - - - - - - -!

Aline: É isso aí!


O jogo iria demorar uns vinte minutos pra começar, então entoamos canções. Uma seresta, um chorinho, um frevo, mais uma seresta e... “Vocês não tocam Menino da Porteira?”. Começamos a cantar, a errar a letra, a ser corrigidos por Dona Amália, a mesma velhinha que havia pedido a música; e depois de mais umas duas músicas de raiz cantadas é claro por Amália começou o jogo. Os Atores, curiosos e encantados, decidiram conversar com aquela senhora tão desinibida, enquanto a diretora Luciene conversava com um simpático caminhoneiro aposentado e os músicos guardavam os instrumentos no carro. Era engraçado como lá quase todos os idosos eram amparados por um andador, parecia uma dança quando todos andavam.


Amália: (Enquanto troca os dez anéis de pedras coloridas dos dez dedos da mão) Esse é meu cantinho, eu tenho minha cadeira, minha almofada e minha televisão. Eu dei a maior parte do dinheiro da vaquinha pra comprar a TV de plasma, assim eles assistem lá e eu fico com meus programas aqui, na minha TV. Eu tenho dinheiro. Não sou rica, mas tenho dinheiro. Eu morava nos fundos de uma casa e o marido da mulher que morava na frente morreu, aí ela vendeu seis casas pra mim por quarenta mil, aí eu vendi e fiquei com dinheiro; doei a maior parte pra APAE, sabe? Aquele lugar onde os meninos tem problemas, então doei dinheiro, cama, colchão, cobertor, roupa. Eu adoro viver aqui, minha vida... (pausa) que tá acabando. Minha vida está acabando. Eu sei. Não me importo. Vou tranquila. É esperar. Bom dia pra vocês.


CAI O PANO

domingo, 10 de julho de 2011

O menino, seus óculos e sua jóia.

Chegara ao fim de mais uma jornada, mas o menino sentia, das pontas dos dedos até a boca semicerrada, que aquele “fim” não passava de um começo, não passava de uma projeção do que seria o imaginado.

Pensava estar andando em círculos. Que nada! Eu estava é com os óculos embaçados – dizia. Atrás dele estavam as ideias, com ele estavam os acontecimentos e em sua frente aquilo que poderia ser um discurso; a linha entre o menino e esse discurso era tênue e a qualquer momento ela poderia se partir.

Nos encontros marcados com os outros de sua idade e vontade passava mal, seus nervos reconhecidos como “de aço” derretiam e davam piruetas, forçavam-no a preferir se ausentar a comparecer naquilo que o deixava com os cabelos pulando de sua cabeça em direção ao chão.

O menino, vez sim, vez não, queria ar.

O menino, vez sim, vez não, queria chorar.

E era nesses dias que se ausentava que seus óculos, agora sujos de graxa, repousavam sobre sua escrivaninha e deixavam o menino pensar naquilo que estava fazendo com seu bem precioso. O teatro, a jóia mais rara pra ele estava levando porradas, a todo momento ele sentia que estavam ferindo seus princípios. E quem disse que o teatro, principalmente o tão amado por ele necessitava de princípios? Alguém, mas ele não lembrava quem; e por isso, mais tarde, decidiu esquecer de vez e não forçar a memória a trazer coisas a sua cabeça das quais não lhe interessavam mais.

Dias a fio trabalhando discursos dos outros, burilando espaços mais que conhecidos e suportando aquilo que mais temia até então: trabalho com/em um não-grupo.

Todos foram caminhando juntos em direções diferentes, guiados por faróis opostos e querendo falar línguas que não sabiam.


QUEBRA

Na realidade todos já falam essas línguas, e escolhiam direções e faróis.

VOLTANDO AO TEXTO


De repente um estalo. E estalos são clássicos, como dizia o querido companheiro do menino: Renné de Obaldia na voz de Dona Garra em O Defunto. Seus óculos não estavam embaçados e nem sujos de graxa, mas o menino tinha fechado os olhos, descobriu que dava muita importância a sua preciosidade, não que não devesse levar o teatro a sério, mas também não é assim que se faz arte, santificando-a. Percebeu ainda que sua jóia não levava porradas, mas era lapidada aos poucos e com instrumentos até certo ponto rudimentares. E vejam só, seu discurso estava ali, e não só o seu, mas estava junto com tantos outros discursos e assim se fazia outros tantos que se perdia de vista nos olhos do público.

Queria falar.

E falou.

Queria atuar.

E atuou.

Queria fazer teatro.

E fez mais que isso.



obs: relatório final entregue a Professora Ana Carneiro para a disciplina Interpretação III (UFU - Universidade Federal de Uberlândia).

sábado, 9 de julho de 2011

Olhos Marrons

Os olhos marrons se entreolhavam vez ou outra, e talvez esses momentos de encontro fossem os únicos que o frio daquela rodoviária era esquecido por ela. Passava os olhos por todas as figuras daquele lugar, mas sempre acabava encontrando aqueles olhos marrons, que estavam quase sempre a olhar pra ela. Os pequenos acontecimentos humanos dali eram de interessante delicadeza, tanto que esquecia daqueles olhos tão encantadores que conversavam com os seus. Esquecia nada, só não queria olhar tão fixamente - o que o dono daqueles olhos iria pensar se ela olhasse muito mais e com tanta cobiça?!

Ambos já se olhavam sem graça, com ar de que estavam se paquerando. Era o olhar, o encontro, a contração do lado esquerdo dos lábios e uma arrumadinha no corpo que se incomodava com o assento velho.

Ele tinha a barba por fazer. Ela batia os pés num frequente sapateado, o qual de vez em quando passava para os pés dele. Ele: calça jeans e luvas grossas. Ela: cachecol listrado e duas meias. Era sempre um encontro formidável – o dos olhos, mas ninguém imaginava nada mais que aquilo. Até que ele levantou, passou por ela e se foi sem dizer nada e sem nem olhar pra ela mais uma vez.

...